Especial "Wolfenstein 3D": a importância está nas pequenas coisas (Matéria POPGAMES)


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“Wolfenstein 3D” foi a porta de entrada de muitos gamers no universo dos jogos para computadores, ou pelo menos o grande estopim que estourou a revolução do gênero no início da década de 90. Eu mesmo vim de uma família que adotou o computador no ambiente doméstico bem tarde (em torno de 1997), mas mesmo assim já havia gastado horas e horas em um velho IBM navegando os labirintos multicoloridos do clássico, subproduto da então impactante tecnologia VGA capaz de renderizar 256 cores em resolução 640x480 (é, ela tava por aí desde 1987, mas “Wolfenstein” foi seu debut definitivo para mim). O game atingiu o mercado em uma época que adventures, cenários pré-renderizados e até mesmo aventuras em texto ainda eram o padrão em termos de jogos para PCs, e que controlar o movimento de um personagem com cliques do mouse era o máximo de interatividade. E “Wolfenstein” atingiu esta época como uma bala!

Quando o jogo foi lançado em 1992, não havia qualquer outro título que apresentasse ação em três dimensões tão rápida e fluída, gráficos tão imersivos e coloridos e, basicamente, tanta coisa acontecendo na tela. Ah, e os efeitos sonoros e a variedade de inimigos! Pergunte para qualquer um com idade o bastante, e é bem possível que você saia com a impressão de que “Wolfenstein 3D” trouxe um salto técnico e estético tão relevante e surpreendente que nenhuma outra revolução (seja os cenários renderizados em três dimensões de “Super Mario 64” ou a recente fluidez entre cenas interativas e não-interativas de “Uncharted”) jamais conseguiu causar o mesmo impacto.

“Wolfenstein 3D” foi também um dos principais games a encorajar jogadores – então atraídos pelos inúmeros fliperamas lotados de máquinas japonesas – a ficarem em casa. Muito antes das comparações entre fliperamas e consoles domésticos esquentarem de fato (ler reviews de jogos do Genesis e do Super NES enfeitados por frases como “não é melhor que o fliperama”, “não é tão bonito quanto nos arcades” era lugar comum durante boa parte da década), a desenvolvedora id e a produtora Apogee provaram por dois mais dois que é possível jogar um jogo de rápida resposta e belos gráficos em seu computador doméstico. Que o “Wolfenstein 3D” original incluísse uma fase parodiando Pac-Man, hit até então insuperável dos arcades, não era apenas um sinal.
Reprodução / 8-Bit City


Engraçado, então, pensar que a revolução de “Wolfenstein 3D” foi quase tão simples quanto o conflito de seu protagonista, um soldado americano deixado para trás em um castelo nazista sem muito o que fazer senão abater filas e filas de comedores de chucrute. A tecnologia por trás do game, que foi responsável por colocar o já-lendario designer John Carmack no radar, foi na verdade baseada em um RPG. “Ultima Underworld: The Stygian Abyss”, de 1991, foi um dos pioneiros no uso da perspectiva em primeira pessoa em videogames. O jogo seguia a saga de um guerreiro igualmente solitário preso em uma masmorra tão labiríntica quanto o castelo alemão do shooter; a diferença estava mesmo no jogo. Os cenários deviam ser manipulados arrastando o mouse para os cantos da tela, e boa parte dela ainda era dominada por menus. A verdadeira mudança trazida por Carmack, portanto, foi simples: velocidade.

Carmack e a equipe da id trabalharam então em um jogo capaz de renderizar cenários similares aos de “Ultima Underworld” sem fritar as placas de 32-bit populares na época e de maneira a deixar a ação ininterrupta e fluída. Para tanto, o time trabalhou em cima de um sistema computacional que gerava imagens pseudo-3D apenas simulando efeitos de perspectiva e criando salas a partir de informações a respeito de arestas. Em termos simples, você ainda jogava um jogo 2D. Como Carmack aponta em recente documentário a respeito do jogo: “navegar em cenários, pegar itens e atirar em coisas eram funções que já existiam antes (…), mas o que fizemos foi colocar experiências que costumavam ficar presas em jogos com perspectiva plongeé (visto de cima), e colocá-los em uma visão 3D”. Longe de ser os malabarismo que fazem de John Carmack famoso hoje em dia. Sabe como é, esse papo de Megatexture e envelopar um ambiente complexo de jogo em uma só gigantesca “folha” de textura.

Ainda que “Wolfenstein 3D”, então, não representasse grandes saltos em quesitos técnicos – a própria id já produzia jogos similares, como “Catacombs 3D” - são suas mudanças mais marginais as que marcaram o título. “Wolfenstein 3D” foi o primeiro game em primeira pessoa a incluir as mãos do personagem na tela (até mesmo em “Ultima Underworld” o avatar não era nada mais que um ícone flutuante) e também foi pioneiro em inserir múltiplas poses para os inimigos, dando a sensação que a armada nazista – e seus cachorros – eram tridimensionais. Vê? “Wolfenstein 3D” foi o primeiro jogo a te imergir em um mundo que você claramente explora e em que seus inimigos também caminham pra lá e pra cá, muitas vezes independentes de você estar lá ou não. Pode parecer pequeno, mas isso mudou tudo.
Reprodução / 8-Bit City


Parte dos planos originais da id incluiam transformar “Wolfenstein 3D” em um jogo de ação furtiva nos moldes de “Thief”, em que passar despercebido pelo inimigo seria tão fundamental quanto trocar tiros com nazistas. Olhando agora pode parecer um plano maluco, mas não dá pra negar que não seria completamente impossível. Jogue o game agora (sério, agora. No browser mesmo) e repare: é dificíl passar por alguma parte e prever onde os inimigos estão. Por outro lado, não é incomum perceber que um guarda passou por você sem te ver por lá. “Wolfenstein 3D” era um jogo rápido para a época, mas também deliciosamente inusitado. Era possível pegar inimigos de surpresa e ser surpreendido por eles. O mapa era repleto de passagens secretas (que ficaram no jogo final por insistência do desenvolvedor John Romero, que acreditava que jogos divertidos tinham que ter seus segredos) e demorou algum tempo para muitos jogadores notarem que, uma vez abaixo dos 10% de vida, até carcaças inimigas serviam como meio de recuperar a vida. Sim, “Wolf 3D” também foi o primeiro jogo a te colocar na pele de um canibal casual.

Mas os tempos hoje são outros. John Carmack, agora pai e dono de uma paixão muito maior por livros do que por games, tem se mantido afastado do cenário dos PCs, e até mesmo dos consoles. Equipes de desenvolvimento hoje em dia atravessam a casa das centenas, muitas vezes espalhados em empresas distintas. Mapas e cenários são criados com meses de trabalho e sob a pressão de prazos e verbas apertadas. Não há quase espaço algum para que times de seis pessoas e áreas de jogo criados no calor de um dia de trabalho entusiasmante com um pouco de papel quadriculado e programação talentosa mude muita coisa na vida de um gamer. Até mesmo FPSs, que “Wolfenstein” ajudou a criar, agora caminham em uma espécie de prancha, seguindo modelos já testados e temendo se desviar do gosto de seus fãs – ou ao menos o que a equipe de pesquisa deles imagina ser. Ninguém em sua são conciência iria pensar em programar ação furtiva em um “Call of Duty”.

No fim das contas, eis o porquê "Wolfenstein 3D" continua atual. Carmack sempre foi do tipo perfeccionista, e nunca escondeu um certo desgosto pelo shooter - segundo ele, um produto imperfeito. Mas, mesmo que "Doom" e "Quake", sequências espirituais de "Wolfenstein", sejam excelentes games, o surto de criatividade de seu primeiro FPS desbravou águas desconhecidas e, como resultado, se tornou um exemplo brilhante de como videogames podem ser interessantes até mesmo nas pequenas coisas.
Leonardo Teixeira

''Eu achei essa matéria tão importante no mundo dos games que reouvir trazer para RISEGAMER,sempre mostrando a fonte 
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